terça-feira, 12 de julho de 2016

Centésima-vigésima-nona noite – O poeta e a garota na madrugada

Alexander Blok passeava na madrugada da Perspectiva Nevski em São Petersburgo. Era julho de 1912, o mundo lhe parecia banal e coerentemente só banalidades lhe vinham à cabeça: Noite. Lanterna. Rua. Farmácia. E completou o tolo verso: uma luz estúpida e baça.

O poeta Alexander chutava latas às duas horas e quarenta e três da manhã de Petersburgo pensando em o quanto o mundo era tolo quando uma Fräulein de olhos azuis e cachecol azul [quase em frente à Fortaleza Petroplavlovski] lhe cruzou o caminho. Ela lhe pediu um verso. Ele [em um maço de cigarros feitos em Lübeck] lhe escreveu Ainda que vivas outra vida, Tudo é igual e não há saída. A garota [dizem] lhe deu um beijo [quase] inocente.

O simbolista Blok [cabelos crespos e gravata borboleta negra] seguiu a jovem até uma taberna nas catacumbas [o sol já se esgueirava por detrás do Hermitage]. Pediu um par de vodcas – não as tomou. Gritou que o sonolento dono e os outros fregueses saíssem, atirou-lhes um rolo de rublos e pôs a tranca no portão.

A garota do maior poeta daqueles tempos de quase-revolução puxou-o pela gravata borboleta, agarrou-o pelos cabelos, o poeta levantou-a pelas coxas e pousou-a na mesa odorosa de resina e álcool. E se beberam, lamberam e impregnaram um do outro até que [sol alto] o Regimento da cavalaria de Guarda do Czar marchou em frente quebrando qualquer encanto.

Anos depois, o poeta simbolista russo Alexander Blok lembrou da garota e pensou que tudo era mesmo banal, menos um momento como aquele – e decidiu nunca mais escrever.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Centésima-vigésima-oitava noite – Treppamos, nós dois e Berlim

Liebe Frieda, du hast mir doch gesagt – você me disse, querida Frieda – só que você não disse nada e nem se chamava Frieda, e nem eu Hans ou Gunther. Em vez disso você me cravou os olhos azuis [que não são azuis – não somos germânicos] e baixou a cabeça, sua doce cabeça muito  maior que a minha, que engoliu. [Em nossa volta o quarto de hotel de ridículo rosa, e na noite fria da Keithstrasse, a rua Keith de Berlim, pouquíssimas luzes dos predinhos na outra calçada].

Nem um pouco germânicos, não éramos Tristão nem Isolda, e os cavalos dos heróis do Valhala pouco se comparavam a os trens da U-Bahn, o metrô que pegávamos de dia – nossos ouvidos entupidos com a voz metálico-computadorizada: próxima estação – Bülowstrasse... Gleisdreieck... Wittenbergplatz... – e eu mascava, sugava e engolia com meus olhos o seu corpo escondido por camadas de roupas – roupas excessivas para aturar os cinco graus que me faziam ter saudades dos Trópicos.

E eu descontava com juros ins Bett, na cama onde eu lhe prensava – fazendo de você um recheio de sanduíche – onde eu era uma das fatias de pão e o fofíssimo edredom fabricado em algum fim de mundo na Áustria era outro.  Eu lhe tapava a boca para que você não acordasse os fantasmas dos designers da Bauhaus, que repousavam na glória dos gênios em um museu lá perto.

E treppamos, minha cara falsa-Frieda, de mim, seu falso-Hans, pois você descobriu [no meu dicionário] a palavra mais bela em alemão, Treppe, escada – e você me disse enquanto mordia um currywurst em um bistrô na Potsdamerplatz – eu a querer morder seu pescoço.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Centésima-vigésima-sétima noite – Nova História de Fadas

E foram felizes para sempre – e as histórias de fada terminam sempre dessa forma, ninguém sabe dizer o porquê [ou talvez saibam]. O Príncipe se casa com a Princesa – e fim.

Tenho uma ideia – talvez muitas, e nem sempre melhores: o Príncipe e a Princesa casaram-se [ou não] ...

...E o Príncipe suspendeu a Princesa pelas pernas [e lhe mostrou um calibre 19 pronto a soltar fogo]. Pedaços da calcinha da princesa caíram pelo azulejo quadriculado do palácio em extraordinário ritmo na medida em que o Príncipe os rasgava.

A cama enorme que fazia ondas [pois todo palácio que se preza tem ao centro um quarto com uma cama enorme que faz ondas] não as fez, porém vagalhões – quando o Príncipe jogou a Princesa sobre o colchão de seda – pois toda cama de Princesa tem o colchão de seda.

Meia dúzia de travões principescos e o rapaz desabava.

 Menos previsível é a segunda parte: a garota [pois toda princesa é jovenzinha] jogou-se entre as coxas do marido e com sua boca de lábios de rubi [como toda Princesa] o fez reviver os bons momentos de cinco minutos antes. E a Princesa imitou os cavalinhos das reais cavalariças – e se pôs de quatro – e o Príncipe desafiado se dispôs a cavaleiro, um cavaleiro quase horizontou, com as mãos dela levando as dele a apertar-lhe os seios. E às vésperas do gêiser de amor ela colocou seu rostinho principesco no ponto exato e lhe lembrou as neves europeias a lhe caírem no rosto. E essa história de fadas me parece bem mais interessante.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Centésima-vigésima-sexta noite – Vulgares, minha deliciosíssima Tássia

Seremos vulgares [minha caríssima Tássia], vulgares na vulgar quintessência da vulgaridade. Não existirão [minha dulcíssima Tássia] bailes funk, forró eletrônico, música brega-techno mais rasteiros que aqueles que eu te levarei – sem deixar de mascar chicletes baratos, usar boné para trás e calças jeans apertadíssimas com enfeites de metal sem dispensar um cantinho de ferrugem. E em todos os anais da Humanidade não se registrará um chevette amarelo-dourado mais faiscante que aquele com o qual te levarei.

Nem os filósofos mais renitentes [minha preciosíssima Tássia], em suas exaustivas enumerações do ser, jamais cogitarão de tops mais apertados que aqueles que usarás {a forçar o silicone dosagem-jumbo dos seios em bolas a saltar] nem de bermudas de tecido quadriculado mais barato a marcar as bordas da sua tanguinha rosa-esfarelada de três réis a dúzia.

E vulgares os dois [minha aventureiríssima Tássia] entupir-nos-emos de caipirinha custo-lá-em-baixo [limões comprados no atacadão] e de música a destruir tímpanos, e nos chacoalharemos em baile a duas moedas a entrada.

E lá pelas seis [minha notívaga Tássia] puxar-te-ei para o banco traseiro do carraço e lá tu cantarás sinfonia de palavrões – reclamarás do tamanho, da rigidez, da firmeza, dirás que os 17 ou 57 anteriores não chegavam à metade, irás me insultar e pedir mais.

E nos abraçaremos [minha queridíssima Tássia] um abraço vulgar como só amantes como nós sabem fazer.