Eu,
Dido [Rainha da Líbia] recebi Enéas [que não era Rei de Nada] em
alguma noite entre a primavera do nascimento de Zeus e a comemoração
primaveril do Olimpo [pois nós gregos temos o péssimo ou ótimo
hábito de não medir direito o tempo].
Recebi-o
coberta com finíssimo tecido de seda da Bitínia, e o finíssimo aí
se torna mais que figura de linguagem – a camada única deixava
transparecer o escuro dos suaves bicos – o que lembrava a meus
súditos que uma rainha nada deve, menos ainda explicações.
Enéas
veio como os outros – barba alourada, alto como uma torre, as
chapas de bronze na armadura ao peito a contar batalhas míticas que
nas quais ninguém mais crê. Como os outros – Enéas não é o
primeiro: uma rainha nada deve, menos ainda castidade.
Como
os outros, apenas mais humilde – os dez anos de surra nos morros de
Troia lhe deram lição de não-posso-tudo, bem marcado no seu olhar
de cocker spaniel.
Eu,
Dido [amiga dos deuses] fiz de Enéas [guerreiro desempregado] meu
cavalo [para ser montaria], meu cachorro [para metamorfosear-se
arfante e lambedor] e minha pulga [para grudar na pele e só se
afastar por vontade minha].
Explorei
seus braços e coxas e desviei de todas as suas tentativas de me
envolver em picuinhas de politica grega.
Despachei-o
depois pelas ondas do Mediterrâneo, sabendo ele que não era o
primeiro, nem o segundo, nem mesmo o décimo-nono, e que talvez em
minha cabeça a sua lembranças se misturasse com a dos outros –
pois uma rainha nada deve – menos ainda saudades.
Bom dia.
ResponderExcluirHá quanto tempo! Belo e excitante texto. Muito bom.
Bjos
http://deliriosamoresexo.blogspot.pt/