segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Centésima-trigésima-primeira noite – Eu, Dido, Rainha

Eu, Dido [Rainha da Líbia] recebi Enéas [que não era Rei de Nada] em alguma noite entre a primavera do nascimento de Zeus e a comemoração primaveril do Olimpo [pois nós gregos temos o péssimo ou ótimo hábito de não medir direito o tempo].

Recebi-o coberta com finíssimo tecido de seda da Bitínia, e o finíssimo aí se torna mais que figura de linguagem – a camada única deixava transparecer o escuro dos suaves bicos – o que lembrava a meus súditos que uma rainha nada deve, menos ainda explicações.

Enéas veio como os outros – barba alourada, alto como uma torre, as chapas de bronze na armadura ao peito a contar batalhas míticas que nas quais ninguém mais crê. Como os outros – Enéas não é o primeiro: uma rainha nada deve, menos ainda castidade.

Como os outros, apenas mais humilde – os dez anos de surra nos morros de Troia lhe deram lição de não-posso-tudo, bem marcado no seu olhar de cocker spaniel.

Eu, Dido [amiga dos deuses] fiz de Enéas [guerreiro desempregado] meu cavalo [para ser montaria], meu cachorro [para metamorfosear-se arfante e lambedor] e minha pulga [para grudar na pele e só se afastar por vontade minha].

Explorei seus braços e coxas e desviei de todas as suas tentativas de me envolver em picuinhas de politica grega.


Despachei-o depois pelas ondas do Mediterrâneo, sabendo ele que não era o primeiro, nem o segundo, nem mesmo o décimo-nono, e que talvez em minha cabeça a sua lembranças se misturasse com a dos outros – pois uma rainha nada deve – menos ainda saudades.

Um comentário:

  1. Bom dia.
    Há quanto tempo! Belo e excitante texto. Muito bom.

    Bjos
    http://deliriosamoresexo.blogspot.pt/

    ResponderExcluir