domingo, 23 de outubro de 2016

Centésima-trigésima-sétima noite – Ela, eu, seu corpo e Berlim

Ela [deitada por inteiro de bruços sobre os fofos cobertores] recitava em duas línguas um velho poema de Hans Magnus Enzensberger [Nebenan spielt ein Kind Pour Elise/ Por perto um menino tocava o Pour Elise] – e por [ou não] coincidência ela também se chamava Elisa.

Elisa deitada por inteiro sobre os fofos cobertores e eu deitado por inteiro sobre Elisa – Goethe e duas biografias de Elisabeth da Baviera sobre a prateleira. Moderninhos que somos, o telão da Internet ligado na livecam nos enchia os olhos com uma Berlim fosca, o Portão de Brandenburgo calafetado de turistas que desconheciam que Brandenburgo não é uma pessoa.

Hans Magnus cedeu o passo a um par de estrofes de Heinrich Heine e Elisa poderia contar as estocadas – de tão sentidas[Elisa de olhos fechados não via o passeio da câmera pela Avenida Sob as Tílias [a catedral quase negra como aparição ao fundo] e eu [talvez levado pelo inevitável romantismo do nome da rua] apliquei-lhe quatro, seguidas, rápidas, a tentar atingir a alma de Elisa [ e se não conseguisse, pelo menos que lhe chegassem à garganta].

Elisa deixou a alta cultura, a cantar alguma baladinha boba do Luttenberger Klug [Quero atravessar com você esse super verão] e eu [inspirado ou não pela mudança] também realizei outra, terminando a visita e começando outra, mas não pela mesma porta desta mansão, uma doce porta por trás desta mansão brasileiro-teutônica que é o corpo de Elisa. Elisa me olhou, fechou os olhos, deu um gritinho a parecer ária de Wagner.

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