quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Centésima-octogésima-quinta noite – Gilberte, Não Te Conheço

Gilberte, não te conheço. Mas se te conhecesse [minha francesíssima Gilberte] eu seria Marcel [francês também, como já devidamente estabelecido acima]. Passearíamos ao luar [ou ao sol, melhor] depois da missa de domingo em algum caminho florido [tela de Renoir ou Monet] de certo senhor chamado [talvez] Swann, 1907 ou 8 no cabeçalho do jornal.

Adentraríamos um caminho de choupos [pois todo passeio paradisíaco Europa-de-antigamente tem choupos, e eu nem sei o que é isso] – tu com teu vestido de tantas frufrus e rendas que eu nem saberia onde estou, e eu a gravata meio-fraque a me estrangular.

À beira de um tranquilo lago [e como nos pôsteres há tranquilos lagos] tu me falarias de tua mãe Odette, a smart, e como ela falava inglês numa época em que quase ninguém. E eu te contaria três anedotas cuidadosamente selecionadas sobre a minha tia Leonie, que nunca sai da janela e conhece metade e meia da cidade. [Também não há muito a quem conhecer nesta cidade de Combray, que desconhece talvez a própria existência].

Isso, se fôssemos aquele Marcel e aquela Gilberte de Proust. Mas não o somos – e eu [não Marcel mas eu] usaria essa toalha de piquenique para forrar aquele gramado europeu [minha falsa Gilberte] e tu praticarias a nobre arte do hipismo [os frufrus e as sedas amontoados de lado] e poderíamos até contemplar o ápice do Monte Branco. Se estivéssemos de olhos abertos, minha brasileiríssima Gilberte [a qual conheço].

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