Fernando percorria a capital
em algum monótono anoitecer de 12 de outubro de 1931 [ou 1945 ou 2117, Lisboa é
sempre tão parecida, cópia de si mesma que se repete ao longo dos anos como um
velho programa que o antivírus não consegue livrar de seu bug]. Saiu do Café A Brasileira e não falou com ninguém. Desceu o
Chiado, subiu a Avenida da Liberdade, pareceu-lhe que alguém gritava Viva Salazar mas não virou o rosto. Na
Almirante Reis cruzou com três nepaleses e 75 alemãs de mochila e pensou em
atalhar pela Antônio Pedro mas desistiu.
Na Alameda Fernando
sentou-se ao gramado [o chafariz ao longe com estudantes a trazer de casa o
vinho pois é mais barato] e pensou nas janelas, iluminadas ou não, e como a
vida era estranha, ou excessivamente simples.
Sorriu a pensar no que
ocorria por detrás dos estores e
cortinados. Cenas de amor a cinco, talvez. Ou a um. Ou uma. Ou qualquer
maluquice, talvez mesmo a do matrimônio. Chicotes ou dores de cabeça, em
possibilidade. Quem sou eu, a
metafísica se quis intrometer mas ele a enxotou como inseto. Voltou a pensar
nos casais. De seis, nove, talvez mais.
Fernando se viu de novo
Pessoa só, na Avenida, sentindo-se cercado de libidinagem em cada alcova ou
escadaria. Na pastelaria Estrela do Chile
pediu três Pastéis de Nata.
Devorou-os a contemplar a
velha estátua, no centro da praçola. Concluiu que havia bastante metafísica em
não pensar em nada.
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