quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Centésima-sexagésima noite – A mulher perfeita de Charles Baudelaire

Charles Baudelaire sonhou com uma mulher perfeita no dia em que o último casebre medieval na praçola em frente à Notre-Dame sucumbiu ao peso de uma bola de ferro. [A velha cidade sumia e a nova não o agradava]. Tomou mais dois goles de absinto, fumou um charuto de dar náuseas e [contrariamente a Vítor Hugo, que inventou uma trama sobre um corcunda na velha catedral] meteu-se a elaborar a perfeição.

Começou [de maneira não só banal como previsível] por pedaços do corpo – mas após encaixar seios e ancas na forma que criava na imaginação deixou para depois, superado por algo mais urgente.

Abandonou os lugares comuns [de que a mulher deveria ser amorosa, ou dedicada, ou saber fritar boas panquecas ou escrever tratados sobre histologia] e dedicou-se ao que o interessava – e que [não por acaso] era o que não interessava ao vulgo.

A mulher perfeita de Charles Baudelaire tinha formas razoáveis e sabia conferir hemistíquios, sabia decorados trechos de Molière e fumava de vez em quando um charuto. Vestia-se de saias plissadas e sabia despi-las com igual elegância [talvez mais ainda] mostrando-se inteira para seu amante [ou não inteira pois a vestia um delicado perfume de cânfora].


E acima de tudo a mulher perfeita de Charles Baudelaire tomava absinto em algum café de esquina com Charles Baudelaire.

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