Charles Baudelaire sonhou
com uma mulher perfeita no dia em que o último casebre medieval na praçola em
frente à Notre-Dame sucumbiu ao peso de uma bola de ferro. [A velha cidade sumia
e a nova não o agradava]. Tomou mais dois goles de absinto, fumou um charuto de
dar náuseas e [contrariamente a Vítor Hugo, que inventou uma trama sobre um
corcunda na velha catedral] meteu-se a elaborar a perfeição.
Começou [de maneira não só
banal como previsível] por pedaços do corpo – mas após encaixar seios e ancas
na forma que criava na imaginação deixou para depois, superado por algo mais urgente.
Abandonou os lugares comuns
[de que a mulher deveria ser amorosa, ou dedicada, ou saber fritar boas
panquecas ou escrever tratados sobre histologia] e dedicou-se ao que o
interessava – e que [não por acaso] era o que não interessava ao vulgo.
A mulher perfeita de Charles
Baudelaire tinha formas razoáveis e sabia conferir hemistíquios, sabia
decorados trechos de Molière e fumava de vez em quando um charuto. Vestia-se de
saias plissadas e sabia despi-las com igual elegância [talvez mais ainda]
mostrando-se inteira para seu amante [ou não inteira pois a vestia um delicado
perfume de cânfora].
E acima de tudo a mulher
perfeita de Charles Baudelaire tomava absinto em algum café de esquina com
Charles Baudelaire.
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