quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Centésima-quinquagésima-terceira noite – As palavras sem as coisas

O Poeta beijou os seios da sua Musa duas vezes (uma em cada), resistiu à tentação de beijá-los uma terceira e recolheu-se [em Torre de Marfim na beira do Sena ou em kitchenette no Flamengo] para escrever sobre.

Procurava o salto da palavra ao fato – aquele momento [temporal ou de sensação] no qual escrever sobre beijar equivaleria a beijar – essas massas de sons [que a tradição denomina palavras] ao enrodilhar-se nessa constelação multiforme que denominamos de sentido se mostrasse do mesmo nível [ou mesmo melhor] que esse encontro de conjuntos de matéria a que se deu o nome [um tanto inverossímil] de Realidade.

Descobriu [e se conformou e surpreendeu com isso] que para se escrever sobre lábios, coxas e gemidos não se deve viver nenhuma dessas coisas. Para frases sobre a amada eterna ou a parceira de uma vez só, a primeira e primordial lei é que nenhuma delas deve estar presente.  

Em observância e decepção afastou-se da amada. Lutou com adjetivos e sufixos, tonicidades e hemistíquios. Deixou crescer barba, esqueceu que TV existia.


Desistiu, voltou a sua musa e beijou-lhe os seios por mais duas vezes (uma em cada) e se conformou com que as palavras voam – mas não tão alto quanto o estar lá e junto. 

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