terça-feira, 10 de outubro de 2017

Centésima-quinquagésima-segunda noite – A Tentação

Maria do Egito fugiu de casa e depois de afundar no deserto desenhou um círculo na areia: não sairei daqui enquanto não falares comigo. Não era [e sabia que não era] a única peregrina daquele século IV d.C. Planejava [no entanto] ser a mais teimosa.

Depois três dias as entranhas se roíam de fome. Depois de sete dias a própria fome pareceu cansar-se dela.

Inevitavelmente surgiram as tentações. Primeiro veio a sua mãe [morta havia muito] que lhe ofereceu colo e sopa. Maria ordenou que o Inimigo fugisse [pois sabia que do inimigo se tratava]. Depois vieram [tola porém perigosamente] negociantes de roupas e perfumes e os luxos que fazem o devaneio de toda jovem. Maria do Egito fechou os olhos e eles sumiram.

Veio depois [em um meio-dia sol a pino] um senhor [acompanhado de seu pai ministro] e lhe ofereceu segurança, um lar, três filhos e aliança. Maria do Egito balançou – mas sua boca gritou o não que seu coração abominava.

Finalmente veio um rapaz – bonito mas nem tanto. Sentou-se numa pedra, não ofereceu joias nem contratos. Ofereceu [disse] apenas a ele mesmo.

E Maria do Egito enroscou-se com ele, desgrenhou os cabelos enolados pela poeira e se tornou bicho e mulher.

Isso no seu delírio – afirmam os sóbrios cronistas Atanásio e Cirilo de Alexandria, que garantem a vitória sobre a tentação. Uma terceira história, esta anônima, garantia que a tentação da carne superou as do lar e da família. Por essa história não ficar bem para uma santa, foi suprimida.

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